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Foto do escritorLilia Standerski

O adulto observador: a opção pelo silêncio




Escrever nem uma coisa

Nem outra -

A fim de dizer todas -

Ou, pelo menos, nenhumas.


Assim,

Ao poeta faz bem

Desexplicar -

Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.


Manoel de Barros



Quinta-feira da semana passada uma das crianças chegou de pijama, como gosta de se vestir nos dias em que vai à Ubá. O calor estava derretendo tudo. O pijama? Calça comprida e mangas compridas. Costumamos dar o tempo dela sentir o calor e sozinha sentir a necessidade de tirar o traje de dormir, mas nesse dia a temperatura já estava insuportável e após alguns minutos sugeri que tirasse a blusa. Ajudei-a pois era uma roupa mais justa e pedi que guardasse em sua mochila, mochila esta que estava no cabideiro, a uns seis metros de onde estávamos e sem visão para o local onde ela estava brincando.


Optei por não acompanhá-la, apenas observá-la à distância, para ver se corria tudo bem, e eis o que se passou: a primeira tentativa foi abrir a mochila para guardar, mas com ela pendurada ficou difícil de abrir o zíper, desistência. Logo depois tentou colocar a blusa por cima da mochila, apoiada no cabide. Nada, blusa no chão. Quase desertando sua missão, tentou vestir a blusa mais uma vez, desistiu mais uma vez. Por último, ela olhou bem para a mochila, tirou-a do cabide, abriu o zíper, guardou seu pijama calorento e correu de volta para o gramado, onde a aguardava uma bacia refrescante cheia de água, na qual essa criança passou a tarde, tranquila.


Esse acontecimento fez-me pensar sobre o tempo que disponibilizamos às crianças para que elas cresçam. Além disso, sobre como o silêncio e a paciência do adulto muitas vezes educam mais do que as falas. Pensei em como muitas outras vezes, nesses vários anos trabalhando com crianças, não tive consciência da importância desse tempo, e logo intervi, dei sugestões, ajudei. Ou pensei que ajudava.


Nesse dia essa criança não viu que eu a via. E por isso tentou (e conseguiu!) sozinha resolver sua situação: guardar uma blusa na mochila. Parece simples, e por isso nós adultos muitas vezes não seguramos nossa ansiedade e oferecemos logo a solução. Porém, foi um aprendizado importante para aquela criança naquele dia, construir sua própria solução, o que não teria acontecido se um adulto apressado e ansioso não conseguisse controlar seus anseios e logo fosse “ajudar”.


Sim, sabemos, às vezes é hora de ir embora, às vezes a comida vai esfriar, às vezes a aula vai começar, às vezes não há esse tempo. Mas muitas outras vezes há, e penso que precisamos todos despertar essa consciência: dar tempo às crianças para se vestirem, para comerem, para organizarem os brinquedos, para ficarem olhando uma minhoca. Tempo real. E junto com isso, dar-nos tempo de controlar os impulsos e somente observar, no silêncio.

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